5 de fevereiro de 2008

Eis que Bocage hoje traduz minha alma

Por ser um poeta de faces múltiplas a obra literária de Bocage não pode ser simplesmente incluída no gênero literário do Neoclassicismo ou Arcadismo. O Bocage que ficou conhecido em Portugal e no Brasil é o poeta boêmio, satírico e erótico, que freqüentava o bar do Nicola e o Botequim das Parras. Além disso, apesar de Bocage dominar a técnica do verso, sendo considerado, devido a isso, como clássico, sua poesia vai muito além das convenções literárias da época. Essa transgressão às normas faz de Bocage um poeta de transição entre o Neoclassicismo e o Romantismo.


Por isso, e porque é sua poesia que, sem sobra de dúvidas, anuncia os primeiros valores do Romantismo em Portugal que Bocage é considerado por vários estudiosos como um poeta Pré-romântico.

Apesar de ser fortemente influenciado pelo estilo dominante em sua época e fazer concessões

ideológicas, políticas, sociais e religiosas para sobreviver, é comum encontrar na poesia de Bocage, principalmente nos poemas escritos depois de sua prisão, uma luta constante entre a razão iluminista e a emoção. Nessa luta dolorosa e angustiante a emoção sobrepuja a razão como se pode ver no fragmento do soneto abaixo:

bocage-blog.gif
" Importuna Razão, não me persigas;
Cesse a ríspida voz que em vão murmura,
Se a lei de Amor, se a Força da ternura
Nem domas, nem contrastas nem mitingas.


Se acusas os mortais, e os não obrigas,
Se, conhecendo o mal, não dás a cura,
Deixa-me apreciar minha loucura;
Importuna Razão, não me persigas."




Somente um Romântico escreveria versos como "Importuna Razão, não me persigas" ou "Deixa-me apreciar minha loucura" um neoclássico ou arcádico jamais faria algo semelhante. Se nos versos acima já encontramos algumas características do movimento literário que está por vir, no tema da Morte é que se pode perceber claramente que Bocage é uma espécie de profeta do Romantismo. Isso se dá porque todo o sofrimento da vida acaba com a morte, ela, a morte, é a única verdade da vida.


Oh retrato da morte, oh Noite amiga
Por cuja escuridão suspiro há tanto!
Calada testemunha de meu pranto!
De meus desgostos secretária antiga!

Pois manda Amor, que a somente os diga,
Dá-lhes pio agasalho no teu manto;
Ouve-os, como costumas, ouve, enquanto
Dorme a cruel, que a delirar me obriga:

E vós, oh cortesãos da escuridade,
Fantasmas vagos, mochos piadores,
Inimigos, como eu, da claridade!

Em bandos acudi aos meus clamores;
Quero a vossa medonha sociedade,
Quero fartar meu coração de horrores.

Incapaz de encontrar uma forma nova que melhor correspondesse à novidade dos seus sentimentos, Bocage permaneceu um típico produto de transição. Citando as palavras de David Mourão Ferreira: " Com um pé nos degraus da Arcádia, com o outro suspenso ante os abismos enigmáticos do futuro, a sua posição de tão instável, tão depressa nos comove como logo nos impacienta".

Auto-retrato

Magro, de olhos azuis, carão moreno,
Bem servido de pés, meão n’altura,
Triste de facha, o mesmo de figura,
Nariz alto no meio, e não pequeno;

Incapaz de assistir num só terreno
Mais propenso ao furor do que à ternura,
Bebendo de níveas mãos por taça escura
De zelos infernais letal veneno;

Devoto incensador de mil deidades
(Digo de moças mil) num só momento,
E somente no altar amando os frades;

Eis Bocage, em que luz algum talento:
Saíram dele mesmo estas verdades
Num dia em que se achou mais pachorrento

Temo que a minha ausência e desventura
Vão na tua alma, docemente acesa,
Apoucando os excessos da firmeza,
Rebatendo os assaltos da ternura.

Temo que a tua singular candura
Leve o Tempo, fugaz, nas asas presa,
Que é quase sempre o vício da beleza
Génio mudável, condição perjura.

Temo; e se o mau fado, fado inimigo,
Confirmar impiamente este receio.
Espectro perseguidor que anda comigo,

Com rosto alguma vez de mágoa cheio,
recorda-te de mim, dize contigo:
«Era fiel, amava-me e deixei-o»

A frouxidão no amor é uma ofensa,
Ofensa que se eleva a grau supremo;
Paixão requer paixão, fervor e extremo;
Com extremo e fervor se recompensa.

Vê qual sou, vê qual és, vê que diferença!
Eu descoro, eu praguejo, eu ardo, eu gemo;
Eu choro, eu desespero, eu clamo, eu tremo;
Em sombras a razão se me condensa.

Tu só tens gratidão, só tens brandura,
E antes que um coração pouco amoroso
Quisera ver-te uma alma ingrata e dura.

Talvez me enfadaria aspecto iroso,
Mas de teu peito a lânguida ternura
Tem-me cativo e não me faz ditoso.


Nascemos para amar; a humanidade
Vai tarde ou cedo aos laços da ternura.
Tu és doce atractivo, ó formosura,
Que encanta, que seduz, que persuade.


Enleia-se por gosto a liberdade;
E depois que a paixão n’alma se apura,
Alguns então lhe chamam desventura,
Chamam-lhe alguns então felicidade.


Qual se abisma nas lõbregas tristezas,
Qual em suaves júbilos discorre,
Com esperanças mil na ideia acesas.


Amor ou desfalece, ou pára ,ou corre;
E, segundo as diversas naturezas,
Um porfia, este esquece, aquele morre.



Deixar, amado bem, teu rosto lindo,
Teus afagos deixar, tua candura,
Tanto me oprime que da Morte escura
Sobre mim negras sombras vêm caindo.

Eu parto, e vou teu nome repetindo,
Porque dê desafogo à mágoa dura;
Meus tristes ais, suspiros de amargura
Áquem dos mares ficarás ouvindo.

Mas se me cercam no cruel transporte
Quantas fúrias o Báratro vomita,
Se meu mal é pior que a mesma morte,

O Fado em me aterrar em vão cogita!
Com todo o seu poder não pode a Sorte
Tua imagem riscar desta alma aflita.

Um comentário:

Anônimo disse...

Agora esta claro porque não te encontro com tanta facilidade na net, fazendo blog às 6,39 hs !!!!!!, passou a noite toda insone, dormir bem faz parte do manter o corpo e a mente em equilibrio, o sono durante o dia não lhe traz os mesmo beneficios do sono na madrugada, quando a moir parte dos mortais estão dormindo, apenas as aeromoças e as Deusas estão ativas.
Beijo grande
Carla